[Afinal, como se constitui uma ciência? Supõe-se que determinado grupo de fenômenos obedece a certas constantes e em seguida se recortam amostras dentro desse mesmo grupo para averiguar, mediante observações, experiências e medições, se as coisas se passam como previsto na hipótese inicial. Repetida a operação um certo número de vezes, busca-se articular os seus resultados num discurso lógico-dedutivo, estruturando a realidade da experiência na forma de uma demonstração lógica, evidenciando, ao menos idealmente, a racionalidade do real. Tudo isso é impossível sem as categorias da razão, obtidas não desta ou daquela experiência científica, nem de todas elas em conjunto, mas do próprio senso da experiência humana como totalidade ilimitada.
A experiência humana tomada como totalidade ilimitada é a mais básica das realidades, ao passo que o objeto de cada ciência é uma construção hipotética erigida dentro de um recorte mais ou menos convencional dessa totalidade. Essa construção nada vale se amputada do fundo desde o qual se constituiu. O apego à autoridade da “ciência”, tal como hoje se vê na maior parte dos debates públicos, não é senão a busca de uma proteção fetichista, socialmente aprovada, contra as responsabilidades do uso da razão.
O mais evidente sintoma disso é a facilidade, a trêfega e saltitante mudança de canal com que os porta-vozes da “ciência” transitam das atenuações relativistas e desconstrucionistas, para as quais todos os discursos são válidos de algum modo, às proclamações absolutistas de “fatos científicos” imunes a toda discussão, tão sagrados que seus contestadores devem ser excluídos do meio universitário e expostos à execração pública. O culto da “ciência” começa na ignorância do que seja a razão e culmina no apelo explícito à autoridade do irracional]. Olvado de Carvalho.